segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Hoje sabe-se menos, mas chega-se mais longe

Hoje sabe-se menos, mas chega-se mais longe
Investigadores defendem a progressiva ausência de intromissão do Ministério da Educação. "Não legislar durante cinco anos" seria o seu maior contributo
2010-09-12
HELENA TEIXEIRA DA SILVA in http://jn.sapo.pt/Domingo/Interior.aspx?content_id=1660462

Sabem menos do que o necessário, mas não menos do que há 30 anos, comparação que os especialistas consideram desajustada. Sabendo menos, chegam mais longe: transitam de ano, mesmo com várias negativas acumuladas e entram, sem dificuldade, no Ensino Superior. Apesar disso, no ranking divulgado, esta semana, sobre as 200 melhores universidades do Mundo, não consta nenhuma portuguesa.
Indiferente, o Ministério da Educação vibra com as estatísticas: os chumbos diminuíram no Ensino Secundário; a percentagem de estudantes que optou pelas vias profissionalizantes representa cerca de 60% dos alunos inscritos nesse universo; modelos alternativos como os Cursos de Educação e Formação (CEF) e as Novas Oportunidades têm ajudado a compor o que parece ser um salto brutal na escolarização do país. Até há bem pouco tempo, as taxas de abandono escolar eram as mais altas da União Europeia (UE), onde a percentagem de portugueses entre os 20 e os 24 anos com apenas o Ensino Básico era de 40% (a média da UE é de 25%) e onde apenas 20% da população activa possuía o 12º ano, metade da média europeia.
A mudança abrupta verificada, sobretudo, nos últimos cincos anos deveria, teoricamente, ser sinónimo de cidadãos mais informados, mais cultos, mais criativos, mais capazes de resolver problemas e aptos a conquistar o mercado de emprego em qualquer parte, senão do mundo, pelo menos da Europa. A prática, no entanto, revela que os planos curriculares não têm cessado de mudar e que onde antes se privilegiavam disciplinas como a História ou a Filosofia, existe hoje a aprendizagem rodoviária ou sobre Direitos Humanos. A memória foi banida em detrimento do prazer. O que aprendem afinal os alunos nas escolas portuguesas?
Com tantas reformas educativas levadas a cabo nos últimos quase 40 anos - desde que se iniciou, no fim dos anos 60, a massificação da escola -, é surpreendente que ainda não se tenha alcançado, em Portugal, nem um consenso entre todos os agentes do meio - Ministério da Educação, pais, professores, alunos -, nem resultados de tal forma sustentados que inviabilizem a iminência constante de nova reforma. Pelo contrário, as mudanças, sobretudo ao nível do plano curricular, em vez de enriquecerem os alunos parecem estar a empobrecê-los. E as tentativas de inverter a tendência podem nunca terminar. Pelo menos, é essa a posição dos especialistas ouvidos pelo JN, quando questionados sobre a qualidade e o fim dos conteúdos apreendidos hoje pelos alunos portugueses.
"É uma hipocrisia. É a educação do faz de conta", afirma, pessimista, Joaquim Azevedo, membro do Conselho Nacional de Educação e investigador da Universidade Católica do Porto, para julgar o que diz ser "a educação para as estatísticas". Ele, que é uma das vozes mais críticas do sistema, não se conforma com o fim dos exames nacionais para todas as disciplinas - política que, de resto, teve a sua assinatura enquanto secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário em 1992 e 1993 -, nem com o facto de o investimento no 1º Ciclo "nunca ter sido uma prioridade em Portugal". "O que não se aprende nesses primeiros quatro anos - ler, escrever, calcular - dificilmente conseguirá aprender-se depois." E são essas lacunas que ficam por corrigir logo no início, que contaminam os ciclos que se seguem.
Além disso, a avaliação, através de exames nacionais circunscritos a parcas disciplinas, "cria o perigo de os alunos desvalorizarem tudo o que não vai ser objecto de avaliação", corrobora José Augusto Pacheco, do Centro de Investigação em Educação, da Universidade do Minho. Isso, "acrescido à redução da carga horária", espoleta "o risco de ser possível chegar mais longe, sabendo menos", concretiza. "Um risco tanto maior porque será algo que a sociedade irá sempre vincar em termos de empregabilidade". Ou seja, de pouco valerá concluir o ensino obrigatório, mesmo agora, cifrado no 12º ano, ou mesmo ingressar no Ensino Superior, se ao título académico não corresponder um efectivo domínio da matéria dada.
Mas é justamente esse domínio, observa José Alberto Correia, do Centro de Investigação e Intervenção Educativas, da Universidade do Porto, que está no centro de "um equívoco". "A substituição dos conteúdos pelas competências, ou seja, ensinar a pensar em lugar de ensinar os ditos conteúdos, com a sucessiva desvalorização da memória, revela uma mudança de superfície e não de fundo - e é uma oposição. Porque para pensar é preciso ter um objecto de pensamento e uma intencionalidade". Sem essa base, sublinha, "este sistema de ensino tende a acentuar as desigualdades." A situação é agravada "pelas pedagogias do prazer, em que se defende a aprendizagem sem esforço, confundindo-se, no fundo, o esforço com o sofrimento - outro erro".
O investigador introduz ainda outro factor de ruído, igualmente partilhado pelos colegas. "A escola nunca teve tantas missões como agora - educação rodoviária, para a paz, para os direitos humanos, etc - e tende a implodir. Há um trabalho da sociedade da qual a escola faz parte, mas a escola não pode ser o centro". Daí que Alberto Correia defenda que hoje "não há falta de escola, mas escola a mais".
Joaquim Azevedo segue-lhe as pisadas, mas vai mais longe. "A obrigação da escola é transmitir uma herança cultural, é esse o elemento potenciador de conhecimento. Introduzir disciplinas como a aprendizagem rodoviária funciona como factor de perturbação". E arrisca: "A escola, quando se torna um espaço de ocupação social dos alunos, ignorando a sua missão mais importante, está condenada. Porque não exige, não desenvolve".
Sem discordar, Augusto Pacheco é mais prudente. "A escola tem-se batido sempre com esta dualidade entre o curricular e a formação social e profissional. Não pode a instituição distanciar-se dessas novas valências, mas tem de o fazer de forma organizada, o que não tem acontecido". Aprender, torna Joaquim Azevedo, "é diferente de integrar".
É neste substantivo - integração - que reside uma das questões cruciais do actual sistema de ensino. "Como podemos hoje, no ambiente de uma escola aberta a todos, oferecer aos alunos condições de aprendizagem com qualidade para todos?", questiona Joaquim Azevedo. A teoria que preconiza não é isenta de alguma cautela, uma vez que, de alguma forma, contraria a ideia de que, pelo menos à partida, somos todos iguais. "Aos cinco anos, já temos demasiada bagagem. Até aí, os estímulos, sobretudo ao nível da linguagem, são fundamentais. Estão feitos até aos seis anos ou não". Ou seja, apesar da democratização do acesso ao ensino, as crianças já não chegam lá em igualdade de circunstâncias. "Os níveis socio-económicos de entrada são os de saída. Está estudado e demonstrado", garante. "As desigualdades de partida não se combatem na escola, nem é à escola que compete mudar essa realidade", insiste. "Confundir a igualdade de acesso com uma lógica igualitarista é um erro".
É esse problema, sintetizado na ideia de que é possível dar tudo a todos da mesma forma, numa altura em que a escola hoje já não é apenas a elite, que "é um erro político que não temos sabido resolver". Azevedo diz mesmo que "a escola da democracia não pode ser a das elites". Querer reproduzi-la, afirma, resultou "numa entrada no futuro aos recuos". "É um problema político que vamos pagar muito caro no futuro", sentencia. Um preço ainda mais alto, porque, argumenta, "não há consenso, nem soluções para a educação em nenhum partido político".
Na opinião do investigador, é urgente parar de baralhar e voltar a dar sem pensar para analisar o que está a acontecer com o ensino e as consequências que daí virão a resultar. "É óbvio que os alunos saem cada vez com mais lacunas", diz. "O momento é complexo e difícil", mas ele avança uma solução - e não está sozinho nela: "É preciso impedir o Ministério da Educação (ME) de legislar, impondo, em vez disso, planos anuais de melhoria gradual em todos os currículos. É preciso acabar com o paradigma do controle que o Ministério protagoniza há 36 anos". Augusto Pacheco subscreve, mas chama-lhe "órgão de controle a posteriori".
"Se fosse imperioso fechar as instituições quando falham, a primeira a encerrar seria o ME", ironiza, considerando-o "o principal responsável pela imposição de um modelo único de pensamento".

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